Manuela d’Ávila: Uma análise inicial sobre o debate da Band
Quero escrever algumas linhas sobre o que assisti no debate de ontem. Alguns exclamarão: “como assim?!? Ela já tem candidata! É óbvio que concordará com o que Dilma disse.” A esses respondo: me sinto com o mesmo direito de análise que tem, por exemplo, o jornal Estadão (a diferença é que eles declararam o voto em Serra após 60 dias de cobertura pretensamente neutra. Eu sou Dilma desde que ela é candidata).
Esse formato de debate não abre tanto espaço para a discussão de propostas concretas. São feitos para o enfrentamento de projetos. Talvez por isso não sejam muitos os votos disputados em debates. Alguns especialistas afirmam que os candidatos participam com dois objetivos centrais: o primeiro é condensar a base de apoio, dar argumentos para quem já decidiu o voto; o segundo é não perder votos. Eu incluiria outros: responder dúvidas legítimas dos eleitores; desconstruir determinadas imagens e opiniões.
Ontem gostei da participação de minha candidata no debate. Primeiro porque usou o espaço mais nobre da eleição, a televisão, para desconstruir a campanha baixíssima feita contra ela.
Quando Dilma teve coragem de pautar o tema do aborto, tirou o tema do submundo da eleição (cartazes e panfletos anônimos, montagens de internet etc.) e o teve a possibilidade de esclarecer aos cidadãos. Afinal, o uso que determinados setores tem feito desse tema é assustador. Primeiro porque ela e Serra têm exatamente a mesma opinião. A lei atual, de 1940, deve ser cumprida, garantindo que o SUS dê segurança para mulheres que correm risco de vida na gravidez ou que sejam vítimas de estupro. Mesmo que ambos tivessem outra opinião, deveriam submeter na forma de projeto de lei, ao Congresso Nacional. Por que fazem essa campanha, então? Porque esse tema desperta paixões nas pessoas. E as paixões estão localizadas fora da racionalidade. As pessoas ouvem e nem questionam: qual a posição do outro? Isso é possível? Também usam porque sabe que, por Dilma ser mulher, isso “pega”. Homens, a princípio, por não terem útero, não são chamados a refletir sobre o aborto. Ou seja, também é uma pauta que surge para aproveitar os traços culturais ainda machistas de setores da sociedade.
Mesmo no ambiente de confronto (que não é o ideal para propostas serem apresentadas) Dilma conseguiu politizar o debate. Ao insistir no tema das privatizações trouxe à tona mais do que o governo Fernando Henrique (escondido por Serra). Fez com que diferenças centrais entre dois projetos aparecessem. Muitos cidadãos afirmam na época das eleições: “todos os programas são iguais! Todo mundo diz que vai melhorar a saúde, a educação, a segurança.”
Sim. Isso é, em parte, verdade. Na TV muitos programas partidários podem soar parecidos. Mas na essência são muito distintos. As privatizações são “a cara” dessas diferenças. “Por quê?”, alguns podem perguntar. Porque expressam o tipo de Brasil que queremos. De todos ou de poucos. Público ou privado. Serra diz que esse é um tema do passado. Não é verdade. Foi também um tema do passado. Aliás, eu mesma comecei a fazer política para combater o processo de privatização da universidade pública. Mas este tema não está superado. Vejamos o Pré-sal.
Nós defendemos que esse dinheiro deve ser a alavanca para o desenvolvimento de nosso país de maneira estruturante. Custear a educação, pesquisas científicas, por exemplo. Se o petróleo acaba, devemos transformar esse dinheiro em coisas que não acabam, ou seja, na melhoria da capacitação de nosso povo! Isso é futuro. É decisão do próximo presidente. A turma do Serra defende a privatização da exploração dessa riqueza natural brasileira. Dilma, que foi Secretária e Ministra de Minas e Energia defende que o recurso do Pré-sal é público.
Aliás, o tamanho político de cada candidatura foi resumido de maneira brilhante pelo Senador Sergio Guerra (Presidente do PSDB). Disse ele: “Aborto é tema de interesse nacional, privatização é tema do PT”.
Por que digo que ele foi brilhante? Porque de fato, apesar de Dilma e Serra terem a mesma opinião sobre o aborto, os tucanos tentam fazer desse tema (de forma passional e machista) o tema da campanha. Não querem comparar os governos, não querem dizer o que pensam sobre o Estado Nacional e o patrimônio público. Não querem assumir compromissos com a destinação dos recursos do Pré-sal. Ele entregou a estratégia da campanha deles! Não debater política, projeto. Por fim gostaria de comentar outro detalhe, não menos importante, do que assisti ontem na televisão e acompanhei pelas redes sociais, como o twitter.
A caracterização que Serra tentou pendurar em Dilma. Qualquer palavra dita, ele a caracterizava de “agressiva”. Isso também é parte da estratégia de debates. Repetir algo muitas vezes para que as pessoas passem a refletir sobre o assunto. Mas quando algo é artificial é fácil ser identificado. E ele deixou claro isso. Dilma perguntou: “qual a garantia de que o senhor vai manter os programas sociais do governo Lula?”. Devo confessar que nem entendi porque ela levantou a bola para ele. Eu apenas responderia: “a garantia é a minha palavra”, qualquer coisa dessa natureza. Ele não respondeu (provavelmente porque não queira assumir compromissos com essas políticas) e ainda me saiu com a seguinte frase: “Estou impressionado com o nível de agressividade da Dilma”.
Qual agressividade nessa pergunta? Nenhuma. O que Serra tentou fazer, mais uma vez, foi usar o machismo de setores de nossa sociedade contra Dilma. Nossa cultura avançou muito. Prova disso é que mais de 60% do eleitorado brasileiro votou nas duas mulheres para presidente da República. Mas conheço bem esse tipo de adjetivação. Mulheres são adjetivadas na política. Homens muito menos. Lembro quando conquistamos meu mandato de vereadora.
Na mesma eleição um jovem homem elegeu-se. O locutor do rádio dizia: “quem está entrando é aquela jovem bonitinha”. Quanto ao homem afirmava: “é um jovem competente com origem no movimento estudantil”. Casualmente militávamos na mesma universidade. Eu na oposição, ele na situação. Eu havia feito mais votos. Mas era a bonitinha. Cada vez que subimos na tribuna indignadas somos tachadas de histéricas. Eles são convictos e ficam perplexos. Nós temos a vida pessoal vasculhada (somos “sapatonas”, como li ontem no twitter sobre Dilma; mantemos relações sexuais com alguém para chegar onde chegamos…). Eles? Bem, ninguém tem nada com a vida pessoal, devemos nos preocupar com a vida pública.
Nós mulheres, em todos os espaços, estamos acostumadas a enfrentar isso. As mulheres políticas não sofrem nem mais, nem menos do que outras milhares de mulheres. Mas ao chamar, de maneira repetitiva e descontextualizada, Dilma de “agressiva”, Serra usou essa velha tática. Velha tática que nossa sociedade tenta superar. Sei que muitos gostariam de outro tipo de debate. Por isso, acho que os melhores são aqueles com temas a serem enfrentados pelos candidatos (um bloco para educação, outro para desenvolvimento, outro para trabalho e renda). Às vezes, cidadãos e cidadãs são chamados a perguntas. Noutras vezes os jornalistas cumprem esse papel. Mas isso não torna o debate de ontem menos importante.
Não podemos cair no papo de que o debate, por ter esse nível de enfrentamento, não serviu para nada. Serviu sim. Para confrontarmos elementos do projeto de País, para trazermos questões ao debate, para vermos o baixo nível que alguns chegam. Se a gente vai atrás do que cada um já fez na vida pública, se debatermos o currículo da Dilma e do Serra (o Currículo inteiro, não apenas quantas vezes concorreram eleições, mas onde cada um esteve e que posição teve em cada momento decisivo da história e do presente do Brasil), se a gente faz esse exercício, procura, busca, pesquisa, vai entender exatamente porque Dilma é mais preparada.
Não apenas para os debates. Ela é mais preparada para governar o Brasil. Porque representa a superação de velhas táticas políticas, representa um projeto, não esconde posições, não esconde erros e acertos do Governo do presidente Lula.
Não fomos perfeitos. Evidente que não. Mas começamos uma bela caminhada de transformações no Brasil. E os avanços só podem ser feitos por quem acredita nesse caminho. Caminho de soberania, de direitos, de educação. Caminho de combate à miséria e à desigualdade. Caminho da solidariedade e de sonhos. De superações. De igualdade entre homens e mulheres. Caminho do amor. E não do ódio.
*Manuela d’Ávila é jornalista e deputada federal pelo PCdoB/RS
Fonte: Vermelho