Carta aberta do Movimento #ForaMicarla
No décimo primeiro dia do Acampamento Primavera Sem Borboleta, na Câmara Municipal de Natal, o Coletivo #ForaMicarla divulga carta aberta à população natalense sobre a trajetória do movimento que deve desocupar o Palácio Padre Miguelinho ainda nesta sexta-feira, 17 de junho, após acordo firmado com os vereadores da Capital, que se comprometeram com a realização das demandas apresentadas pelos manifestantes.
Leia a íntegra:
Carta aberta do Movimento #ForaMicarla
Reflexões sobre as primeiras batalhas
O #ForaMicarla surgiu da insatisfação do povo natalense com a atual administração municipal. Inicialmente os canais de expressão desse sentimento eram os que estavam mais ao alcance de quem tem uma rotina cheia de trabalhos e estudos: as conversas entre amigos e com a família, os comentários nos ônibus lotados e os fóruns ou murais eletrônicos das mídias sociais.
Mas a participação política, por mínima que seja, pode gerar elevação do nível de consciência. Muitos desses(as) cidadãos(ãs) perceberam que era preciso fazer algo mais. Ganhar as ruas. Denunciar uma realidade que não aceitamos e anunciar tempos melhores no horizonte. Dizer que é possível chegar longe através de uma ação política pacífica,plural, não-violenta, democrática, horizontal e autogestionada.
Descobrimos que não estamos sós e temos muita força quando estamos juntos. Foi preciso superar a noção de que protestar é uma coisa fora de moda, que não gera resultados, que é coisa de gente baderneira. Rasgar o véu do individualismo, do consumismo, do imediatismo.
O primeiro ato foi uma experiência reveladora, mas não se vislumbrava aonde era possível chegar. O segundo foi um rito de passagem – quem, das duas mil pessoas presentes, não sentiu a doce estranheza de caminhar pelo asfalto do complexo viário? Já o terceiro ato foi um desafio: durante o dia, pela manhã, na chuva; estávamos em número reduzido, mas cumprimos o roteiro até o fim. E, nesse momento, o que pra alguns era apenas algo que se via na televisão, tornou-se perfeitamente realizável. Pois havia ali, bem na nossa frente, um pátio convidativo. Um ponto privilegiado para cobrar os parlamentares que deveriam fiscalizar as ações da prefeita. Fixamos acampamento.
Estamos no décimo primeiro dia do “Primavera Sem Borboleta”. Sofremos diversas formas de pressão, às vezes com grande intensidade. Essa pressão nos aproximou.
Experimentamos uma forma de organização coletiva que buscou a libertação de vários males do convívio social ao qual estávamos acostumados(as). A convivência nos uniu fraternalmente, apesar da pluralidade de pensamentos e práticas. Nos tornamos uma comunidade. Ocupamos, resistimos e produzimos.
O apoio da população nos forneceu a energia necessária para continuar. Tanto materialmente (nas diversas formas de doação) quanto espiritualmente (o carinho e o encorajamento que nos foram transmitidos com muita frequência). O apoio dos mais diversos movimentos sociais, desde centrais sindicais a grupos do movimento estudantil, nos lembrava constantemente o fato de estarmos inseridos(as) num processo muito maior. E o apoio da OAB foi crucial nos momentos de maior vulnerabilidade, e no enfrentamento contra os que queriam usar as forças do Estado contra a nossa ocupação pacífica – mesmo ela sendo reconhecidamente legítima e amparada pela Constituição. Além disso, e a despeito da ausência dos vereadores, das ordens para que os funcionários não viessem trabalhar e da ordem para manter o portão frontal fechado, comprovadamente não impedimos a realização de qualquer tipo de trabalho no Palácio Padre Miguelinho.
A decisão do Superior Tribunal de Justiça, que nos foi favorável e nos salvou de uma desocupação iminente, chegou no momento em que trabalhávamos os detalhes da nossa resistência pacífica. O que se viu então foi uma explosão de alegria genuína. Centenas de pessoas festejaram cantando o Hino Nacional sem cerimônia, uma catarse que muitos(as) lembrarão pelo restante de suas vidas.
Eis que chegamos a mais um momento vitorioso. Os vereadores da Câmara Municipal finalmente desistiram de usar a arbitrariedade e a falsidade contra o nosso movimento. Segundo algumas pessoas eles buscaram inspiração no nosso acampamento, pois ontem reuniram-se e decidiram uma proposta coletivamente. Só faltou a transparência, mas oportunidades não faltarão pra que eles tentem esse outro princípio também. Na proposta que nos foi apresentada, apesar de haverem alguns erros elementares de redação, comprometeram-se com a realização das demandas que apresentamos neste momento da luta. A audiência pública e a instauração de uma CEI dos Contratos da atual gestão (se for conduzida de maneira eficiente e isenta) tornarão possível o surgimento de provas que abram o caminho para saída de Micarla de Sousa da prefeitura de Natal. Evidências não faltam para guiar os trabalhos.
O #ForaMicarla, portanto, continua. O nosso caminho ainda pode ser longo e tortuoso. Mas agora, companheiros(as) que somos, andamos melhor. Sabemos que existem outras lutas a serem travadas, algumas muito mais difíceis que esta na qual estamos engajados. Não devemos temer, pois encontraremos amparo nos ombros de gigantes. Todas as pessoas que lutaram e lutam por uma sociedade justa, que dignifique plenamente a condição humana.
Conclamamos todos(as) os(as) que sentirem-se contemplados(as) pelas nossas palavras e ações a juntarem-se a nós. A participação política, a militância cidadã, a livre expressão de idéias, a denúncia contra as oligarquias, contra a exploração e o desrespeito estão ao alcance de todos e todas.
Da inércia para o movimento basta um pulo. E quem não pula quer Micarla.