Servidor homossexual consegue licença maternidade sem ir à Justiça

Letícia Lins – Repórter

Bandeira LGBT
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Os pernambucanos Mailton Alves Albuquerque, de 37 anos, e Wilson Alves Albuquerque, de 42, estão juntos e felizes há 17 anos. A certeza de que ficarão unidos para sempre fez os dois decidirem ampliar a família. Em 2012, com a chegada de Maria Tereza, filha biológica de Mailton, eles se tornaram o primeiro casal homoafetivo a ter dupla paternidade reconhecida legalmente. Nesta quinta-feira, nasceu Teo, filho biológico de Wilson. Com isso, Mailton, que é servidor público da prefeitura de Recife, obteve a primeira licença maternidade concedida [administrativamente] a um gay no país.

Isso quer dizer que, em vez de ficar cinco dias em casa, como todo pai de recém-nascido, Mailton poderá ficar seis meses de licença, dedicando-se exclusivamente ao seu bebê. Para conseguir esse direito num país onde a maioria dos gays com filhos precisam acionar a Justiça para ter o direito de cuidar de seus filhos, Mailton conseguiu sua licença por vias administrativas. Sem estresse.

– A matéria é nova, ainda não está doutrinada e, por enquanto, achamos que a expressão mais adequada seria licença maternidade mesmo. Isso porque a decisão foi baseada nos moldes utilizados em adoções – explica a chefe da Procuradoria Jurídica da prefeitura de Recife, Flávia Castanheira.

“Tendo em consideração que a licença maternidade constitui direito voltado essencialmente ao bem estar dos filhos, penso que realmente não há justificativa para negar ao casal composto por pessoas do mesmo sexo o tratamento previsto para casais heterossexuais, que adotem criança recém-nascida”, afirmou o procurador judicial Giovani Aragão em seu parecer, ao liberar “a licença ao requerente, nos mesmos moldes do previsto para servidoras que adotem recém-nascidos”.

Tudo isso foi surpresa. Baseado no que lê nos jornais, Mailton previa uma longa batalha judicial. Lembrava de casos como o que ocorreu no Rio Grande do Sul, onde o bancário Lucimar Quadros da silva (que vive com o consultor Rafael Gerhardt) só obteve a licença para cuidar do filho adotivo depois de uma luta de dois anos na Justiça. Por esse motivo, antecipou-se. Em dezembro do ano passado, aos três meses da gestação, entrou com pedido na prefeitura. Queria ganhar tempo, caso precisasse do poder judiciário. Ficou surpreso com a facilidade.

– Quando Maria Tereza nasceu, eu era autônomo. Então consegui flexibilizar os horários. Eu e Wilson nos alternávamos nos cuidados com a criança. Mas depois fiz concurso e virei funcionário público. Sou enfermeiro do Samu, onde dou plantões de até 12 horas. Não teria como me dedicar ao recém-nascido – conta Mailton.

Os dois são empresários, donos de uma distribuidora de equipamentos médico-hospitalares. Wilson trabalhará normalmente, mas vai alterar os horários para ficar mais perto da filha biológica.

Maria Tereza foi gerada em laboratório em 2012, quando os embriões foram congelados. O casal contou com a solidariedade de uma prima que permanece anônima até hoje. No ano passado, não encontraram nenhuma voluntária na família. Mas uma amiga atendeu ao apelo dos dois e se tornou a “barriga solidária” para gerar o caçula. Pela legislação, o chamado “útero de substituto” não pode se repetir com a mesma pessoa. Os dois processos foram autorizados pelo Conselho Federal de Medicina. O parto estava marcado para segunda-feira. Mas Teo quis nascer antes, chegou na noite de quinta. Como Maria Tereza, terá dois pais no seu registro de nascimento.

A menina chama Mailton de pai Mail e Wilson, de pai Wil. Nunca perguntou pela mãe. Os dois acham, no entanto, que um dia a indagação vai chegar. Eles dizem preparados:

– A chegada dos filhos nos mostrou como é importante a constituição da família. Desejamos o mesmo que um casal hétero: família, filhos, lar em comum. Somos felizes – diz Mailton. – Maria Tereza ainda não nos perguntou pela mãe. Mas estamos preparados para explicar. Há várias configurações familiares: papai-mamãe, papai só, mamãe só, duas mamães ou dois papais. Naturalmente, ela já diz, hoje, “às amiguinhas, que têm dois papais”.

Pai biológico pela primeira vez, Wilson era todo sorrisos nesta sexta-feira de manhã. Até porque, segundo ele, o sonho sempre foi ter um filho homem, enquanto Mailton torcia por uma menina.

– A gente se preparou para o segundo filho com a mesma dedicação de Maria Tereza. Até nos mudamos para um apartamento maior. Sempre acreditamos que o amor é a base de tudo – diz Mailton, antes de desabafar: O que a gente realmente deseja não é nem que a sociedade aceite, porque a divergência é salutar. O que queremos é que apenas respeite situações como a nossa.

Em Recife, a prefeitura reconhece direitos homoafetivos dos servidores desde 2005, quando pensões passaram a ser concedidas para viúvos ou viúvas dos servidores do mesmo sexo. De acordo com o parecer da procuradoria jurídica que liberou a licença, “não seria justificável” o casal “receber tratamento distinto do concedido a casais heteressexuais”, até porque “com a evolução da sociedade brasileira, não há mais restrições de direitos em razão de sexo ou orientação sexual”.

O procurador invocou decisões de cortes superiores – como o Supremo Tribunal Federal – que mostram que “a família resultante de união homoafetiva não pode sofrer discriminação, cabendo-lhe os mesmos direitos, prerrogativas, benefícios e obrigações que se mostrem acessíveis a parceiros de sexos distintos”.

Em março de 2012, os dois viraram notícia nacional, quando conseguiram a dupla paternidade para Tereza, a primeira do país. O direito foi concedido pelo Juiz da Primeira Vara de Família do Recife, Clicério Bezerra. No processo, os dois pais são considerados “muito machos e pioneiros para enfrentar a questão na nossa região” e Maria Tereza foi definida como “uma criança afortunada” por ter “dois pais que se amam” e que “enfrentaram o preconceito de frente e brigaram para que a Justiça reconhecesse a união deles como família”.

O assessor jurídico da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual do Rio (CEDS-Rio), Carlos Alexandre Neves, afirmou que o poder público teve muita sensibilidade ao reconhecer o direito do servidor.

– Não foi preciso que este servidor recorresse à justiça, por isso a decisão merece todo respeito. A Constituição diz que não pode haver distinção entre as crianças, que tem os mesmos direitos. Cabe a quem tem a decisão em mãos agir para que seja cumprida a dignidade da criança e da família – afirma. – O importante disso tudo é mostrar que o Congresso segue se negando, terminantemente, a fazer leis que deem estabilidade e segurança social ao segmento LGBT.

Fonte: O Globo

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